A separação da família, a caminho do divórcio, atirou-o para fora de casa. Longe da ex-mulher, dos filhos, deixou as lágrimas à porta do seu lar familiar e recomeçou a vida numa nova condição.
O árduo trabalho mantendo-o ocupado, as noites bem passadas em casa de amigos – recentes e antigos, as saídas e programas de fim de semana com os filhos, não lhe fizeram lembrar o passado.
A inquietação que permanece no final de uma relação, a dúvida da opção tomada: onde tinha ficado, antes de… não tinham ainda surgido no seu novo dia-a-dia.
O destino, numa noite terminada demasiadamente cedo, levou-o de volta ao local do seu tempo de juventude. Deviam ter passado uns quinze ou talvez dezassete anos, desde a última vez que cruzara a porta de serventia daquele bar e subira os degraus daquela escada. Tudo estava semelhante. O mesmo dono, homem atrás do balcão, com uns cabelos brancos, recordando a passagem do tempo e umas rugas complementares na face. Não saberia se seria reconhecido e não pensava encontrar ninguém do seu tempo por ali.
Após os cumprimentos com o dono do bar, com a conversa de circunstância interrompida pelos pedidos dos outros clientes, olhou em redor e fitou algumas caras que o reconheciam. Amigos não eram, apenas conhecidos, companheiros de alguma noite, de alguma jornada colectiva, de copos e uns charros.
Trocados os olhares, apertadas as mãos, um abraço nalguns casos, verificou que o ritual se mantinha, copos de cerveja, gargalhadas, conversas ocasionais e umas saídas ao exterior, para umas passas numa mortalha bem lambida. Ainda por lá estava o mesmo crava de sempre: paga-me um fino, arranja-me quinhentos escudos, agora convertidos em 3 euros - porque 5 é abuso!
No meio de algumas recordações, que surgem sempre nestes encontros, lembrou-se do seu esquema de engate, mantido naquela casa, durante alguns anos, com uma cliente, por vezes, funcionária. Uma forma de estar com alguém, sem estar. Nunca mais se tinha lembrado dela, nem ousava perguntar por ela, nem pelo seu estado. Eram coisas do passado, da adolescência tardia, ou da idade jovem de adulto.
Nunca tinha percebido como aquela relação tinha durado tanto tempo. Era inexplicável. Nada sentia pela fulana, nada sabia dela. Além do sexo, nada mais lhe interessava. Se tinha família, se vivia com alguém, se era feliz, infeliz, tudo lhe era indiferente. Inclusive, no meio de tantas horas a dois, no meio de tanto sexo, jamais se apercebeu de algum orgasmo feminino, jamais se preocupou com isso. Uma relação quase diária sem nunca irem para uma cama, tal era o desprezo a que a sujeitava. Mantinha-se com ela 2 ou 4 horas por noite e antes dos restantes humanos acordarem, terminava.
No meio destas reminiscências, alguém o convida para umas passas, ele acede. Na rua, um disfarce menos rigoroso do que no seu tempo, embora as semelhanças fossem evidentes. Entrar num carro, num local pouco concorrido, numa rua escura, ou num parque mal iluminado. Regressar ao bar, mais uns copos e umas risadas. Estava completamente fora.
À sua frente surgiu uma cara feminina. Era ela. Não queria acreditar. Como era possível? Conversa animada, uma mudança de bebida. E um convite para prolongarem a noite os dois, desta vez em casa dele…
Quando acordou, viu que estava acompanhado e com dificuldade lembrou-se do que tinha acontecido. A ressaca impediu-o de focar melhor a mulher que estava com ele. Olhou para o relógio e preocupou-se. Os seus três filhos chegariam dali a pouco acompanhados pela ex-mulher e seria complicado explicar o seu estado e a presença de outra pessoa com ele. Pronunciou o nome da sua companheira nocturna e pediu-lhe com bons modos para acordar, explicando-lhe a pressa e desculpando-se pela situação.
À sua frente surgiu uma cara desconhecida, num corpo desconhecido.
- Estive a noite toda a ouvir esse nome, pensei que fosse da tua ex-mulher e descubro agora que não é, por isso não me importei! – disse a desconhecida.
Focou melhor. Aquela cara era-lhe mesmo desconhecida, nem o seu nome sabia. A necessidade de a despachar dali, enchia-lhe a cabeça. Tentou pôr-se de pé mas, cambaleou com a ressaca. Nada de gestos bruscos, pensou.
A companheira continuava a falar e ele não ouvia nada. A linguagem dela era extremamente ordinária. Percebeu que, a noite para ela em termos de sexo tinha sido boa, pela felicidade com que ela descrevia pormenores. Abriu a persiana, a luz solar feriu-lhe os olhos. Procurou um comprimido para evitar o mal estar. Tinha que se apressar e sobretudo, tirar aquela sujeita dali. Quem seria afinal?
Engoliu o comprimido e procurou o chuveiro. Debaixo de água, sentiu-se melhor. Saiu da banheira, secou-se e apercebeu-se de movimentações no quarto. Menos mal, pensou. Regressou ao quarto, sem saber se havia de surgiu nu, se com o roupão. Optou pela primeira opção, a mais sensata depois da noite vivida. No quarto, a fulana já estava vestida. Perguntou-lhe se não queria tomar banho. A resposta foi horrível. Talvez, por isso, enojado, não conteve o vómito e teve que ir de volta à casa de banho. Recomposto, vestido, ofereceu café e uma refeição ligeira, mais por educação do que por consideração. Como seria possível ter uma pessoa daquelas em casa?
Refeição tomada sem percalços. Afinal, a má educação ficava apenas na linguagem, entretanto, moderada. Verificou que as roupas interiores dela usadas na noite anterior, tinham sido colocadas num pequeno saco e enroladas, depositando-as assim tipo trouxa, na carteira. Percebeu ser alguém já prevenido. Ficou enrascado, pensando se teria que pagar.
Procurou novamente apressar a companheira, falando no aproximar da hora de chegada dos filhos, na necessidade de arrumar a casa e limpar o que fosse possível. Que não, que não, fazia tudo sozinho – disse agradecendo a gentileza pela oferta da sua ajuda. O que mesmo pretendia era ficar sozinho, para se preparar, desculpou-se.
Não sabia o que dizer. Não tinha vontade de a ver de novo. Tentou explicar-lhe o embaraço mas, não foi necessário. A sua companhia nocturna percebeu tudo. Disse-lhe que sairia já, já. Estava a tentar ser simpática. Não queria atrapalhar. Não esperava encontrá-lo de novo, nem que ele a procurasse. Não era nenhuma profissional, apenas engatava desconhecidos e bem parecidos, naquela bar apenas, à procura de prazer e à procura do príncipe encantado. E ao sair, rematou: essa fulana com quem me confundiste toda a noite, deve ter sido muito feliz contigo, não?
O telemóvel tocou era a ex-mulher, pedia desculpa estava super atrasada, só chegariam à hora de jantar e portanto, ele tinha a tarde toda livre. Arrumou tudo direitinho, limpou o que havia a limpar e continuando mal disposto, expeliu o que o estômago continha e no fim, mais o que não deveria conter.
Tentou reconstituir a noite, o jantar em casa dos amigos, a ida ao bar e resto já descrito. Ligou para casa dos amigos e engasgado lá explicou o sucedido, ficou surpreendido quando do outro lado do telefone lhe disseram: Esse bar fechou há mais de 5 anos, pá! Precisamente quando o dono faleceu. Onde era esse bar, agora é um estabelecimento comercial, que encerra às 19 horas, como os outros todos nessa rua. Aliás, nas imediações não há nenhum bar. Quando saíste daqui já ias um pouco torto, pá. Eu bem te disse para não pegares no carro. Afinal por onde andaste?
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