Idade da Inocência (10)
Em pequeno, o dormir sozinho às escuras é assustador.
Os pais têm sempre o cuidado de deixar uma luz acesa, ou uma porta aberta para zona de claridade, ou a persiana subida para entrar luz do exterior, contrariando a escuridão e o medo das crianças.
Na hora de deitar os miúdos, subimos para as últimas tarefas de asseio: lavar os dentes, vestir pijama e o clássico "xixi - cama".
Por cima das nossas cabeças, ouvimos barulho. Como não vivemos num prédio, não podia surgir nenhum barulho. Luzes ligadas, ventilador da casa de banho também, para ver se assustávamos o intruso.
O barulho de movimento rápido por cima do tecto continuava. Algo estava entre o tecto e o telhado. Movia-se constantemente e não fazia barulho. Não miava, nem piava.
O que seria?
Saímos da casa de banho e ao acender a luz do quarto da Luisinha, o som do tecto seguiu-nos. Procurei assustar a coisa, atirando uma almofada ao tecto. Pior... Mais rápido, o bicho passava de um canto para o outro numa velocidade imprópria para rastejantes.
Regressaáos à casa de banho, com o som vindo do tecto a seguir-nos. Começamos a imaginar o que seria, trocando impressões. Gatos e pássaros ficaram de fora pela falta de som amedrontado. Rato ou morcego?
Luisinha ficou à porta do quarto a olhar para o tecto preocupada e cheia de medo foi dormir para a cama dos pais. O Manel deitou-se e supunha saber por onde tinha entrado o rato - pela varanda do quarto dele, por isso ficou aterrorizado acreditando na possível visita nocturna do roedor.
Sossegados os miúdos e o animal, pudemos dormir descansados até de manhã.
Com a luz e o movimento matinal, o som descendente voltou. Saímos de casa sem perceber quem por lá andava.
Nessa noite, julguei ouvir qualquer coisa mas, sem certeza alguma.
O bicho, talvez morcego, porque rato não tinha como trepar para o telhado, lá conseguiu encontrar a saída ou então, morreu cansado de bater com as asas entre o pladour e a placa.
Para o Manel tudo acabou ali... Para a Luisinha o problema foram as sombras. Continuou o receio. A luz vindo exterior projectava-se contra as barbies e cinderela, lançando umas sombras sinistras até à cama dela. A luz do candeeiro propagava sombras horrorosas pelo quarto fora até ao tecto.
Lembrei-me deste senhor:
Quando tinha 2 ou 3 anos, este senhor visitava-me de noite. Dormia sobre a minha cama, num poster com fundo laranja. Sempre que eu abria os olhos, como havia luz de presença para eu não ter medo do escuro, via aquela mancha negra a olhar para mim e assustava-me.
Consegui com isso trocar de cama, talvez com o meu irmão mais velho, ainda assim, sempre receoso.
Um dia o poster mudou de parede ou desapareceu...
Lá em casa, o Manel, sempre atencioso com a irmã, cedeu-lhe o seu candeeiro de quarto. Com este, o quarto ficou com uma luz fusca uniforme, sem sombras assustadoras. A Barbie e a Cinderela deixaram de ser bruxas, ou monstros. As outras bonecas não se projectavam no tecto. A Luisinha ganhou confiança e deixou-se adormecer no seu quarto.
O acordar é que continua a ser feito deitada na cama dos pais mas, nem tudo se consegue só com a troca de candeeiro...
Um dia havemos de dormir descansados, eu sei.