Divórcio 3
A minha mãe sofreu muito. O cancro acabou com ela. Foi enterrar ontem. Deixou um pedido ao meu pai, "gostava que vivesses sozinho com os nossos filhos". O meu pai já andava baralhado das ideias, ficou transtornado de todo. Reparo bem que perdeu o juízo. A medicação não está a fazer efeito, temo por ele. Esta mudança de vida pode-lhe trazer alguma lucidez, o regresso à terra natal. O encontro com os meus avós e com a minha irmã. Durante anos disse que tinha uma filha, agora já confunde o sexo, nem sabe qual o é.
Sei que tenho de ajuda-lo, primeiro porque gosto dele, depois pelo meu irmão. Está muito triste, é muito novo. Eu também estou, é evidente. Nem consigo disfarçar.
A minha mãe sofreu muito. O meu pai nem percebeu o que aconteceu. Só se apercebeu quando lhe falaram em poucos dias de vida. A minha madrasta foi impecável. Foi sempre, aliás. Gosto muito dela, é muito porreira. Vai fazer muita falta ao meu pai. Quando tudo estiver mais calmo, o meu irmão mais seguro, vou fazer tudo para que ela e o meu pai voltem um para o outro. Aliás, o meu pai viveu sempre com ela, não é?
Mas, nunca senti da parte dela qualquer rancor para connosco, tratou-nos sempre como filhos. Prendas, mimos, roupas, jogos e outros desejos ou caprichos fomos sempre recebendo. A minha mãe tinha ciúmes dela. Ela não podia ter filhos e encarou-nos sempre como seus.
Como a vida foi terrível para a minha mãe, ela desgotosa não quis perder tudo, como se fosse um jogo a vida. Pediu o seu último desejo ao meu pai. Confuso, sem ter forças para viver sozinho connosco, optou por pedir auxílio aos seus pais, que já não o viam há anos.
Vou conhecê-los agora, por estes dias.