Clemente é um daqueles homens dedicados ao trabalho, que por mérito próprio conseguiu impor-se e tornar-se chefe de serviço. Chefe imperioso, com uma incapacidade para relacionamento anormal. No fundo, uma defesa própria para conseguir os seus intentos e controlar os seus ímpetos. Para agravar, a sua relação com as mulheres é deveras difícil, pois tende sempre a aprecia-las fisicamente. Obviamente, nunca faltou ao respeito a nenhuma.
A sua preferida é a menina Joana. Todo o escritório o sabe. Joana nunca foi chamada pelas suas falhas, nunca ouviu os intermináveis raspanetes, devido a atrasos ou outras asneiras. A ela tudo é perdoado, sem alarido e muitas vezes com transferência do serviço para outros, ou até para o próprio chefe.
Joana, ingénua, vai-se rindo, a sua relação com chefe vem do exterior do serviço, os pais eram próximos e vê o Sr. Clemente como uma espécie de familiar afastado. Para Clemente, a Joana é divina, parece-se com Soraia Chaves, a sua actriz de eleição. O jeito do cabelo, o pescoço e os ombros (a sua tara), o corpo em si, até a forma de falar.
Escusado será contar que Clemente ficou em êxtase, com o filme da adaptação do livro de Eça de Queiroz. Na sua retina, ficou a cena do frigorífico e o corpo nu de Soraia perguntando “O Sr. Padre deseja alguma coisa?”, um delírio.
No escritório, na sua inocência provocatória com pescoço à mostra, Joana foi levar um café ao chefe, este vinha a sair do gabinete e sorriu quando a viu, “que mulher”, pensou. Joana entregou-lhe o café, ao que este o engoliu de uma só vez. Joana perguntou-lhe: Sr. Clemente deseja alguma coisa?
Dois sons estranhos ouviram-se do gabinete do chefe. Um rápido grito e uma sonora estalada, antes de se ouvir “Francamente, Sr. Clemente tenha maneiras”. Ao certo, ninguém sabe o que se passou. Joana saiu composta e disfarçando. O Sr. Clemente não saiu a tarde toda do gabinete, nem deixou ninguém entrar. Foi o último a sair do serviço, consta-se.
Subscrever
Mensagens [Atom]