Lágrimas de Mariza
Venturoso holandês e a sua persistência em editar Mariza no circuito da World Music. A divulgação e as distinções recebidas na Europa Central, tornaram a ascensão no seu próprio país mais fácil. Mariza é hoje um dos símbolos do fado nacional, é reconhecida pela crítica e sobretudo, pelo público.
No seu primeiro concerto no Coliseu do Porto, o público aperaltou-se. As pessoas surgiram bem vestidas, “bem janotas” como diria a fadista. Um público conhecedor das músicas que iria ouvir, ora cantava em coro, ora aplaudia ao reconhecer as primeiras notas de cada música. Pessoas com alma, nas primeiras músicas várias lágrimas caíram nalgumas faces. Perto do meu lugar, um assistente saltava, como se estivesse a assistir a um jogo desportivo. Exuberante, batia palmas demonstrando o seu contentamento.
O alinhamento e o diálogo com o público por parte da simpática Mariza, foram ingredientes suficientes para agradar a todos. A abordagem dos seus temas mais conhecidos, a visita aos “clássicos” - Amália Rodrigues, Carlos do Carmo e Zeca Afonso - fizeram uma excelente primeira parte. A presença em palco de Jacques Morenlanbaum, com a Orquestra Sinfonietta de Lisboa, juntamente com os três músicos de cordas: baixo, guitarra acústica e guitarra Portuguesa, mais os dois percussionistas acompanhavam de forma magnífica a voz de Mariza.
No regresso a fadista encantou, tocou novos temas do seu recente trabalho, Transparente, soltou-se mais, demonstrou as suas qualidades vocais. Depois saltou para o meio do público, percorreu o corredor da plateia e apresentou uma Inglesa de Gibraltar sua fã, que aparece nos seus concertos, levando consigo a sua mãe, de 95 anos. Pela plateia continuou, falando com o público e ali no meio, à “capella” acompanhada pela guitarras, fez-se ouvir o fado vadio.
O tema “Oiça lá ó Senhor do Vinho” e o alentejano “Feira do Bravo” foram momentos de ritmo intenso, intercalados com fados, como “Primavera”, acompanhados pelo violoncelo de Jacques Morenlanbaum. Com o Coliseu ao rubro, Mariza voltou a Amália e ao seu poema “Ó Gente da Minha Terra”, momento da noite. A beleza da letra, da música, da voz da fadista fizeram o público vibrar. Uma ovação mais forte, arrasou Mariza, que não conteve as lágrimas, parando de cantar. Durante dois, três minutos até se restabelecer a cantora, o público emocionado, todo de pé, aplaudia, enquanto os restantes músicos mantinham o tema à sua espera. Retomado o fado, no final a cumplicidade entre Mariza e o público aumentou, alargando o concerto até às 2 horas e 20 minutos de actuação, num verdadeiro clima de festa.
Os agradecimentos por parte da artista eram recíprocos.
Com o seu estilo peculiar em cima de palco, o porte esguio e dançarino, sem xailes negros e com “vestidos bonitos”, como lhe gritaram da galeria, Mariza é sem dúvida, um grande nome do fado no contexto nacional. O seu lado africano deu uma nova musicalidade ao fado. O reconhecimento externo tornou-a aceitável no conservador meio artístico nacional, veio de fora para dentro, sem ter que provar nada a ninguém.
Mariza construiu a sua carreia em músicas sólidas e tendo a voz que tem é um caso sério no étnico meio da World Music. Fico feliz por o fado ser por si divulgado, por uma Portuguesa ser de novo reconhecida pelo mundo fora através da música.
A nossa cultura agradece, o nosso destino fica preso na guitarra e a nossa alma na
sua voz.