Ildo Lobo: 20/10/2004
A voz de Cabo VerdeCabo Verde é um país cuja a actividade musical dos seus habitantes é imensa e extravasa o próprio território do arquipélago. Com escassez de recursos naturais, uma agricultura miserável e vivendo das receitas do turismo, o Caboverdiano serve-se da música para obter uma porta de saída para países Europeus. A sua característica boa disposição é transposta para a invenção de acordes musicais e recriação em géneros como a morna, a coladeira e o funaná.
A música tem tanta importância neste país, que são sobejamente conhecidos alguns intérpretes. Para quem ouve música africana, são comuns nomes como Cesária Évora, Tubarões, Ildo Lobo, Bana, Tito Paris, sem pretender criar uma escala de importância.
Quando aterrei no Aeroporto Internacional da Ilha do Sal, num voo vindo de Lisboa, fui brindado com a voz de Ildo Lobo. O táxi que me esperava, na noite quente do arquipélago, entoava uma sua música. Perguntei ao condutor se era alguma música dos Tubarões e este respondeu-me assim: “É o Ildo”. Esta resposta, curta, significava muito. O Ildo, natural precisamente da ilha do Sal, era uma referência para todos os habitantes de Cabo Verde.
Era a voz de Cabo Verde.
Ex – vocalista dos Tubarões, grupo que, durante duas décadas, foi referência no mundo musical, Ildo Lobo verbalizou e entoou os sentimentos do seu povo. O disco “Tubarões ao vivo” gravado em 1994 é uma referência da música africana. De tal forma, que em várias festas de Carnaval, no Pé de Salsa, aqui em S. João da Madeira, passavam músicas desse disco, ritmos africanos pelo meio das habituais horas de samba.
Durante a estadia em Cabo Verde, tive a oportunidade de ver no Cine Teatro de Mindelo, na ilha de S. Vicente, um espectáculo do Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra. Nesse espectáculo actuou como artista convidado Ildo Lobo, que cantou uma música de Zeca Afonso, acompanhado pelos Antigos Orfeonistas. Um dos elementos do Coro, também ele com origens Cabo Verdianas teve direito a um solo, devidamente acompanhado pelos restantes membros, cantando o tema “Sôdade”, celebrizado pela diva dos pés descalços, Cesária Évora. Foi um momento emotivo, mágico, daqueles que ninguém da plateia, do palco, dos bastidores jamais esquecerá. E a certa altura tornou-se enorme! De súbito, surge em palco Ildo Lobo, improvisando um refrão e acrescentando à música um longo, sonoro e sentido “Sôdade, Sôdade, Sôdade, Sôdade…”
A 20 de Outubro de 2004, Ildo Lobo caiu na sua casa na Cidade da Praia e faleceu. Quando ouvi a notícia na rádio, em Portugal chovia copiosamente. Grande ironia, em Cabo Verde, pouco ou nada chove. Da minha memória, além das paisagens áridas do arquipélago cabo-verdiano, avivei a imagem de Ildo Lobo em cima do palco. Recordava a sua voz em músicas como “djonsinho Cabral”, “biografia dum crioulo” e só conseguia repetir o refrão de “disispero”: “Explorado, na Cuf, na Lisnave e na J. Pimenta, explorado”.
Ildo Lobo é recordado como património do seu país, reconhecido como um músico com obra a preservar e a valorizar para que “gerações futuras possam permanentemente lembrar este grande vulto da cultura cabo-verdiana”. Fica na história o seu lado humanista e as causas nobres que cantou, a independência nacional - eternizando temas tais como “Labanta braço bo gritá bô liberdade”, como mais tarde cantando “Ask Xanana”, em prol da luta de libertação do povo timorense.