Dr. Peixinho
Chegavam ao balcão sozinhas. Muitas vezes vinham acompanhadas por familiares, ou pelos próprios namorados, ou só por amigos. A cara não escondia o receio, ou a vergonha, do julgamento por terceiros. As palavras saiam da boca a medo e quem as atendia já experientes, colocavam-nas à vontade. Uma consulta especial para o Dr. Peixinho, ou só uma consulta, sem nada de especialidades, era o código de abertura para as mãos do médico.
As adolescentes, ou um pouco mais velhinhas seguiam para uma sala de espera. Em principio não veriam ninguém, além do pessoal auxiliar. Por vezes, o tempo de espera era longo e lá entrava mais uma rapariga, acompanhada ou não, tornando o silêncio comprometedor. Ali a espera era diferente, ninguém ousava perguntar nada às outras, não por falta de simpatia mas, porque era arriscado e aborrecido falar-se do assunto. Bem, no fundo não havia nada a falar. O que interessava era terminar aquilo e sobretudo, fugir dali o mais depressa possível.
Quando se era chamada, as pernas tremiam; havia casos encaminhados para as urgências no hospital distrital, muitas vezes devido a semanas mal contadas e lá se ia o segredo, além dos problemas físicos associados.
No final, tudo correra bem. Os conselhos apropriados: relações só daqui a um mês, atenção à utilização de contraceptivos e o discurso ajustado das consultas de planeamento familiar para adolescentes. Um lugar democrata a troco de umas dezenas de contos.
Umas lágrimas finais, os nervos que explodiam após o sucedido.
Um recomeçar de vida, com a mágoa pessoal e um silêncio eterno sobre o assunto, porque a sociedade recrimina estes actos.
Até um dia.